segunda-feira, julho 25, 2011

Comodismo Ensaiado

Resenha crítica da obra de José Saramago "Ensaio sobre a Cegueira"

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Acomodar-se. Dar-se por satisfeito. Aceitar tudo sob qualquer circunstância. Estas não são e estão longe de serem apenas palavras, frases ou suposições. É a realidade crua, nua e inconsequentemente insana. O estar acomodado passou de estado momentâneo, para aspecto de vida. Além da fraternidade aparentada, o acomodo também aprendeu a cegar. A cegueira branca tratada na obra de José Saramago “Ensaio Sobre a Cegueira” é mais que uma epidemia fictícia, é um estudo de caso – na verdade, um vício... real.

E porque não abrir os olhos para ver? Enxergar, não apenas o próprio umbigo, o próprio jardim e os próprios limites, mas expandir a visão de vida e suas reais necessidades. Caminhar além do proposto pela rotina. Conhecer a vida – ou parte dela – do modo ao qual ela se apresenta, despenteada e sem batom – porém que insistimos em disfarçar com maquiagem e fingir que as cicatrizes não existem.

Mas Saramago foi além, sábio e vorazmente perspicaz naquilo que fez: Abrir-nos os olhos – mesmo que por alguns instantes. Através de personagens, nos mostrou a ilusória imagem de humanidade que temos, não só vivendo em sociedade, mas na humanidade em particular, o íntimo, o hipócrita e o vergonhoso hábito de acomodação. Na obra, diante do inesperado fato de se perceberem cegos, todos se submetem a seguir instruções, a esperar pelo reverso da possível doença e o pior, aceitam de tal prontidão a condição em que se encontram, que alguns usam do covarde poder obtido para se sobressaírem aos demais e contentarem-se em mesmo cegos – mais do que o habitual – tornarem-se cada vez mais medíocres.

A realidade é essa. Vemos, porém não enxergamos. Estamos sempre à espera de normas e regras. Acreditamos em intervenções externas e delegamos ao destino, futuros que deveriam ser decididos por nós mesmos. Esquecemos que, sobretudo – cegos ou não – somos humanos e crueldade, frieza e indiferença não deveriam fazer parte de nossos arquétipos.

Por fim, a cegueira branca se dissipa e como num piscar de olhos tudo volta – aparentemente – ao estado normal. No entanto, não basta apenas tomar conhecimento sobre a cegueira, mas usar da ferramenta de reflexão para ensaiar o fim do nosso comodismo. Tomar iniciativas e usar a habilidade visual – em junção com as demais – a favor do crescimento e amadurecimento humano, tanto individual, como conjunto.

Ensaio é isso. A convicção de querer, buscar e saber que é possível reverter processos e fatos. Ele enxerga e nos mostra. O ensaio precisa sair do ensaio e partir para a apresentação, para a realidade, para os palcos... Para a vida!


 

 
beijo.outro.tchau

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